O filme espanhol “O Jogo da Viúva” (2025) é inspirado na história real que chocou os espanhóis no ano de 2017. Trata-se do crime brutal orquestrado friamente pela enfermeira María Jesús Moreno (Ivana Baquero) e executado pelas mãos do amante Salvador Rodrigo Lapiedra (Tristán Ulloa) contra a vida do marido, o engenheiro Antonio Navarro, assassinado de surpresa com múltiplas facadas.
Esse assassinato cruel no qual o filme do diretor Carlos Sedes retrata, ocorreu precisamente no dia 16 de agosto de 2017, tendo como palco a garagem do prédio onde o casal morava, localizado no bairro de Patraix, na cidade de Valência, Espanha. O violento caso em questão é considerado um dos crimes de maior repercussão midiática da história recente da Espanha.
O ponto de partida do longa-metragem se inicia com a personagem de maior destaque deste thriller, a experiente detetive Eva (Carmen Machi). A caminho da escola da filha, a autoridade é avisada por um subalterno sobre a descoberta de um corpo junto a muito sangue. Já nas primeiras movimentações da personagem Eva, percebe-se como ela é dinâmica frente aos problemas pessoais e principalmente profissionais – o que se acompanha ao longo da trama.
Sobre a história retratada em “O Jogo da Viúva” (La viuda negra), muitas pessoas que assistem já sabem o começo, o meio e o fim do famoso caso real de homicídio, “crimen de Patraix” (crime de Patraix). Entretanto, o elemento surpresa visto ao acompanhar uma relativa constituição dos fatos, junto ao fator true crime (crime real), desperta a curiosidade em saber do desdobramento de todo o mistério por trás do jogo da “viúva negra de Patraix” (María Jesús Moreno), responsável pelo assassinato cruel de seu marido.

Paralelo às investigações e interrogatórios, o roteiro vai se aprofundar na vida da mentora responsável por planejar o crime. O texto não economiza nos detalhes e muito menos nas interações da protagonista Maje, que se desdobra para sustentar uma rotina de vida dupla entre o papel de esposa recém-casada e a realidade da amante insaciável de prazer, além de uma personalidade obscura e sustentada por relações baseadas em mentiras e manipulações.
Ao longo da história, a fila anda e a “catraca” da jovem fogosa gira com a passagem de vários homens que pousam em sua cama e se deixam levar pela doce sedução de uma jovem em corpo de sereia, cuja o “canto” atrai os amantes para serem só mais um escravo de seu apetite sexual pervertido. Entre uma promiscuidade e outra, Maje toma como vítima de seu veneno um colega de profissão: Salva, homem vinte anos mais velho, pai de família e casado.
Para ter uma ideia do quão audaciosa eram as investidas da “viúva negra”, ela não dava a mínima importância de também ter como colega de trabalho a esposa de Salva. Há uma cena que ilustra esse encontro entre os três e revela o quanto Maje e Salva se merecem devido a ausência de nenhum pudor, mesmo dividindo diariamente o mesmo espaço da inocente mãe de família e esposa.
A direção de Carlos Sedes consegue perfeitamente ilustrar a dinâmica dessa história maquiavélica que se baseia no assassinato que ficou conhecido como “crime de Patraix”. A direção faz um paralelo simultâneo entre a responsável por planejar o assassinato e a responsável pela investigação do homicídio – um caminho pavimentado com elementos que tencionam ainda mais os nervos de quem assiste ao filme “O Jogo da Viúva”. É um drama repleto de mistério sobre um crime capaz de chocar um país inteiro.
Maje tem todos os requintes do arquétipo de uma femme fatale (mulher fatal) – se faz de mulher ingênua com gestos de doçura e gentileza e por meio do seu poder de manipulação e corpo sedutor consegue de um homem fazer dele o que bem entender, como matar ou morrer. Ivana Baquero possui uma beleza que enquadra ao padrão estético da beleza femme fatale, porém em “O Jogo da Viúva” ela tem sua melhor posição no jogo da sedução, pois falta muito para estar na posição de “fatalle”.
Ao direcionar o olhar para o lado da lei, logo o espectador é apresentado à policial designada para o caso de homicídio, Eva. O papel para representar a oficial da lei que estará à frente da investigação é da atriz Carmen Machi, ela entrega veracidade a sua personagem e está quase sempre com o semblante sério e focada na missão. É uma atuação serena frente a retidão que o papel exige.

Preso à sua teia e após estar embriagado do veneno da “viúva negra”, Salva se submete à maior atrocidade que um ser humano pode cometer contra a vida do seu semelhante. Sua vida é praticamente aniquilada por cair como uma presa dócil e indefesa nas invenções de uma realidade que só existiu no mundo de uma mentirosa patológica.
A produção está carregada de cenas que servem como vitrine para assistir às ações doentias se revelarem sem nenhuma restrição, visíveis até para cego ver, menos para os cheios de tesão e ilusão, que na flor da emoção não se dão conta das inúmeras traições alavancadas em traços de psicopatia e narcisismo, isso tudo sem nenhum resquício de remorso e muito menos amor ao próximo.
Nos últimos anos foram (e ainda são) lançados um número expressivo de produções distintas e dedicadas a retratar crimes reais (os famigerados ‘true crime’). Existem filmes, séries, livros como a série “Mulheres Assassinas”, de autoria do jornalista e escritor Ullisses Campbell e ainda os frequentes episódios de podcasts dedicados a esmiuçar crimes hediondos de grande repercussão, onde muitos recebem a participação de profissionais que atuaram em parte desses crimes de extensa cobertura da mídia.
O trabalho realizado neste longa-metragem de língua espanhola possui uma produção de destaque dentre o gênero true crime, ressalva alguma liberdade poética a fim de somar ao contexto dramático à linguagem cinematográfica, o que é esclarecido assim que o filme termina. Poucas são as partes e atuações que divergem da qualidade do produto final. Por falar em fim, o encerramento de “O Jogo da Viúva” é acrescido de textos que relatam fatos subsequentes ao que se assistiu, tanto do caso quanto dos personagens.
Não posso me despedir desta resenha crítica sem antes deixar meus parabéns ao Departamento de Homicídios de Valência pelo sucesso em acabar com o jogo da viúva negra de Patraix.
Inté, se Deus quiser!
NOTA: 
Trailer
Pôster
Curiosidade sobre O Jogo da Viúva
- Foi produzida uma série no canal espanhol de televisão “laSexta” chamada “Operação Viúva Negra”;
- O filme presta uma homenagem (In Memoriam) ao inspetor adjunto Blas Gámez Ortiz do Departamento de Homicídios de Valência, assassinado em 12 de setembro de 2017, em serviço;
- Eva saiu do Departamento de Homicídios e voltou a patrulhar as ruas;
- Até o dia em que o filme foi finalizado, nenhum outro departamento tinha superado a taxa de sucesso da Homicídios de Valência;
- Durante os primeiros meses presos, Maje e Salva trocaram cartas de amor;
- As traições de Maje não terminaram nem mesmo depois de estar atrás das grades. Ao mesmo tempo que ela se relaciona amorosamente com Salva via cartas, Maje iniciou relações com outros detentos;
- Assim que Salva descobriu que estava sendo traído por Maje, o agora ex-amante pediu para mudar sua declaração antes do julgamento;
- Maje e Salva foram condenados a 22 e 17 anos de prisão;
- A sentença de Salvador foi reduzida por ter cooperado, já a de Maje foi aumentada devido ao seu parentesco com a vítima;
- Em um dos relacionamentos de Maje na prisão de Picassent, ela teve um filho com um prisioneiro chamado David. A gravidez de Maje separou o casal, e a “viúva negra de Patraix” foi transferida para a prisão de Fontcalent, na província de Alicante, que conta com uma maternidade. Ela retornou para lá após dar à luz em julho de 2023 no Hospital Geral de Alicante, e permanecerá lá até 2026;
- David já cumpriu sua pena e foi libertado. Maje, por outro lado, ainda tem um longo período atrás das grades , após sua condenação em novembro de 2020 a 22 anos de prisão pelo assassinato do marido.
Ficha técnica
Diretor: Carlos Sedes.
Roteiro: Ramón Campos, Gema R. Neira, Jon de la Cuesta, Ricardo Jornet, David Orea e Javier Chacártegui.
Produtores: Ramón Campos e Víctor Fandiño.
Diretor de fotografia: Daniel Sosa Segura.
Editor: Diego Fajardo e Andrés Federico González.
Departamento de arte: Lole Fernández, Paola Marco, Elsa Moya Vela e Isabel Vázquez.
Figurino: Antonio M. Sánchez de Dios.
Cabelo e maquiagem: Isabel Auernheimer e Patricia Verdasco Montero.
Música: Adrian Foulkes e Federico Jusid.
Elenco: Carmen Machi, Ivana Baquero, Tristán Ulloa, Pablo Molinero, Pepe Ocio, Álex Gadea, Ramón Ródenas, Joel Sánchez, Pau Durà, Pedro Casablanc, Abilio Fernández Martín, Amparo Fernández, Amparo Oltra, Àngel Fígols, Ania Hernández, Berta Ibarra, Candela Márquez, Carmen Aldeguer, Elena Alférez, Èlia Corral, Ella Kweku, Estrella Olariaga, Gloria Vega, Imma Sancho, Jesús Castro, Jesús Castro, José Javier Domínguez, Jona García, José Antonio Bayagués, Lola Casamayor, Manu Hernandez, Margarita Asquerino, Marta Belenguer, Marta Belenguer, Marta Mestre, Marta Santandreu, Mary Villafaina, Max Ulloa, Mélida Molina, Miquel Mars, Noemí Martínez, Óscar Pastor, Paco Sarro, Pilar Martínez, Sergio Abelaira, Sisco Romero, Tania Fortea, Teresa Lozano, Vicente Genovés, Alberto Valcárcel, Carla Bayo Gómez, Daniel Pinelo, Isaac Fernández Bayano, Juan M. Barreiro e Silvia Pasero.